Promessa de Casas Acessíveis em Risco

Cooperativa aguarda, desde 2022, pelos apoios previstos no Programa de Apoio à Habitação 1.º Direito

A ECG, CRL tem um modelo à prova de especulação e um acordo de financiamento assinado e homologado pelo Governo. Contudo, a ausência da entrega da verba prometida impede a aquisição dos dois terrenos em falta e o consequente arranque das obras, deixando dezenas de famílias com o seu projeto de vida suspenso.

BRAGA – Em cima da mesa, há um projeto de habitação que promete o que parece impossível nos dias de hoje: casas de qualidade, inseridas na comunidade, a preços permanentemente acessíveis e blindadas contra a especulação imobiliária. Na realidade, há terrenos à espera de máquinas e dezenas de famílias à espera de uma resposta.

A ECG, CRL investiu recursos consideráveis no desenvolvimento de soluções inovadoras de habitação, mas tem visto o seu projeto ser travado por impasses burocráticos. Apesar de ter dois dos seus três programas habitacionais devidamente enquadrados pela Estratégia Local de Habitação de Braga, desde o lançamento da mesma em 2022 e um acordo de financiamento com o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU), devidamente homologado a 3 de fevereiro deste ano pela Senhora Secretária de Estado da Habitação, a verba contratualizada continua por libertar. O resultado: a construção, que já deveria ter arrancado, continua parada.

O Sonho em Pausa Forçada

“Lamentavelmente, ainda não conseguimos arrancar com a construção”, confirma um porta-voz da cooperativa. A frustração é palpável. O acordo assinado não deveria ser uma mera formalidade; representava a luz verde para um investimento crucial, destinado a dar uma resposta estrutural à crise habitacional que afeta a região.

O impasse coloca em causa não só o cronograma da obra, mas a própria credibilidade dos apoios públicos. “Temos um modelo validado, famílias cooperadoras comprometidas e um contrato assinado com o Estado. A única peça que falta é a transferência dos fundos que nos são devidos para podermos começar a construir”, desabafa a mesma fonte.

A Solução Inovadora que o Estado apoiou (mas ainda não financiou)

O que está em jogo é um modelo de habitação cooperativa exemplar. Em vez de vender imóveis, a ECG atribui aos seus membros um Direito Real de Habitação (DRH). Na prática, a propriedade permanece coletiva, na posse da cooperativa, o que impede que as casas entrem no mercado livre e sofram com a volatilidade dos preços.

Este mecanismo garante duas vantagens essenciais:

  • Anti-Especulação: As frações nunca podem ser vendidas por valores de mercado, quebrando o ciclo de “compra-revende” que inflaciona as cidades.
  • Acessibilidade Permanente: O parque habitacional mantém-se a custos controlados para as gerações atuais e futuras, reforçando as políticas públicas de habitação.

Este será um dos modelos cooperativos mais robusto e socialmente justo que o IHRU e o Governo se comprometeram a apoiar aquando do lançamento do Programa de Apoio à Habitação 1.º Direito!

A Evidência Europeia: Uma aposta segura travada pela BUROCRACIA

O impasse que bloqueia o projeto da ECG em Portugal contrasta de forma gritante com a estratégia de habitação de vários países europeus, onde o modelo cooperativo em propriedade coletiva não é uma experiência isolada, mas um pilar central e bem-sucedido das políticas públicas. O que em Portugal é tratado com hesitação burocrática, lá fora é visto como um investimento seguro e eficaz para garantir o direito à cidade.

Em cidades como Zurique (Suíça) e Viena (Áustria), este tipo de habitação representa uma fatia massiva do mercado, sendo um fator decisivo para a sua reconhecida qualidade de vida e acessibilidade de preços. Em Zurique, mais de 20% do parque habitacional pertence a cooperativas sem fins lucrativos, que asseguram rendas permanentemente acessíveis por se basearem nos custos reais de operação e não na especulação. Viena, por sua vez, é um caso de estudo global, com um gigantesco setor de habitação de utilidade pública que protege mais de metade da sua população da volatilidade do mercado privado.

O sucesso destes ecossistemas não é acidental. Assenta em parcerias robustas e de longa data entre o Estado e as cooperativas. Governos locais e nacionais apoiam ativamente estes modelos através da cedência de terrenos públicos a custos controlados, da criação de linhas de financiamento bonificado e de garantias públicas que facilitam o acesso ao crédito. Em países como a Alemanha, modelos como o Mietshäuser Syndikat criaram uma rede solidária que já retirou centenas de edifícios do mercado especulativo para sempre.

Esta visão de longo prazo, que reconhece o investimento em habitação cooperativa como uma das ferramentas mais eficientes e socialmente justas para criar comunidades estáveis, torna o atual bloqueio dos fundos por parte do IHRU ainda mais paradoxal. A ECG não está a propor uma aventura de resultado incerto; está a tentar implementar em Portugal um modelo cuja viabilidade e benefícios estão mais do que provados em toda a Europa.

O Custo Humano da Burocracia

Para lá dos planos e dos contratos, estão as pessoas. São dezenas de famílias que se juntaram à ECG, investiram as suas poupanças e partilham a visão de uma habitação como um direito. Agora, encontram-se num limbo, a pagar rendas no mercado especulativo ou a ser despejadas dos apartamentos onde viviam enquanto aguardam pela casa com que contavam.

Este atraso não é apenas um número num processo administrativo; representa a ansiedade de quem não consegue planear o futuro, a instabilidade de quem continua sujeito a arrendamentos precários e a desilusão de ver uma solução tão necessária bloqueada por inação.

Enquanto os terrenos continuam vazios, uma pergunta impõe-se: de que vale o Estado homologar acordos para soluções inovadoras de habitação se, meses (até anos) depois, a promessa continua apenas no papel? Resta saber quanto tempo mais terão estas famílias de esperar para que uma assinatura se transforme em tijolos, cimento e, finalmente, num lar.

IHRU! Para quando a efetiva disponibilização dos apoios?

3 comentários em “Promessa de Casas Acessíveis em Risco”

  1. Infelizmente a burocracia neste País não deixa que os sonhos se concretizem, tudo para todos apoios para todos mas só na altura das eleições depois é tudo muito devagar mas as promessas foram feitas por quem tem o poder de decidir só que não Horram a palavra dada do compromisso. Parabéns á cooperativa ECG pelo projeto arrojado de apoio a famílias carenciadas para terem a sua própria habitação a custos controlados mas também precisão do apoio do IHRU,na libertação das verbas prometidas.

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  2. Totalmente de acordo.
    É a triste realidade de um País sem organização, sem planeamento estratégico, sem visão e principalmente sem coragem para romper novos caminhos e arranjar novas soluções (neste caso na habitação). É anedótico que com a crise de habitação que existe, isto aconteça.
    Os nossos governantes não podem ficar admirados por os portugueses, cada vez mais, não acreditarem em quem nos governa. A irresponsabilidade e as más práticas de gestão têm de ter um fim.
    É pena que quem decide não passe por estas situações porque, se assim fosse, a solução final seria de certeza outra.

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