Mito… ou realidade?
Em tempos imemoriais, quando as névoas cobriam as montanhas e os rios corriam selvagens pelas terras férteis do que, hoje, conhecemos como Braga, habitavam os brácaros, um povo celta de espírito indomável e coração generoso.
Guerreiros destemidos, caçadores hábeis e artesãos talentosos, os brácaros partilhavam uma ligação profunda com a terra e as criaturas que nela habitavam. Entre os muitos rituais e celebrações que uniam a tribo, nenhum era mais aguardado que o “Jogo do Javali”.
Diz a lenda que o primeiro Jogo do Javali surgiu após uma caçada épica, quando o maior javali das florestas foi capturado por um grupo de jovens guerreiros. Em vez de dividir o troféu imediatamente, os brácaros decidiram celebrar a força e a destreza dos caçadores com um desafio que unisse toda a tribo. Assim, criaram uma bola robusta, feita de couro e crina do próprio javali, e dividiram-se em duas equipas, cada uma liderada por um dos caçadores mais habilidosos.
Os jogadores, adornados com peles e pinturas de guerra, corriam pelos campos verdejantes e selvagens, driblando adversários com a destreza de quem conhece o vento e o terreno. A multidão vibrava a cada passe, a cada choque de corpos, a cada movimento astuto que lembrava a força e a agilidade do javali que inspirou o jogo.
Aos olhos dos brácaros, o Jogo do Javali era mais que uma simples competição. Era um reflexo da vida, uma dança entre força e estratégia, uma luta pela sobrevivência e, acima de tudo, uma celebração da união e da amizade. Num desses dias de festival, após uma partida especialmente renhida, um ancião chamado Breogán — sábio, cuja voz ecoava como o vento nas árvores antigas — reuniu os jogadores e a tribo em torno da fogueira.
Com o rosto iluminado pelas chamas, Breogán falou com uma calma que silenciou até os grilos da noite:
“O Jogo do Javali não é apenas uma demonstração de força bruta. Vejam como o javali corre, esquiva-se e luta, não por violência, mas por sobrevivência, com a inteligência que a natureza lhe deu. Assim devemos ser nós, meus filhos. Que a nossa força seja sempre guiada pela sabedoria, e que a nossa vitória seja compartilhada com respeito e camaradagem. Porque, na vida, como no jogo, a verdadeira glória não está em vencer o adversário, mas em nos elevarmos juntos.”
As palavras de Breogán ecoaram nos corações dos brácaros, mudando para sempre a forma como viam o Jogo do Javali. O jogo transformou-se numa celebração de amizade, onde a vitória era menos importante que a honra e o respeito. Tornou-se uma tradição, passada de geração em geração, como um símbolo de união e sabedoria, que acompanhava a tribo em tempos de paz e em tempos de guerra. Diziam que quem jogasse o Jogo do Javali com o espírito de Breogán no coração estaria abençoado com coragem e sorte para si e toda a sua família.
Com a chegada dos romanos, os brácaros foram confrontados com novas crenças e costumes. Contudo, o espírito do Jogo do Javali não se apagou; adaptou-se e evoluiu.
Os soldados romanos, impressionados com a habilidade e destreza dos brácaros, adotaram a prática e levaram-na para outras terras, onde floresceu e se transformou, dando origem a novos jogos, novas formas de competição.
Mas, mesmo através dos séculos, algo da essência original permaneceu: a alegria de jogar, a honra de competir, o respeito pelos companheiros e adversários.
Séculos mais tarde, no ano de 2023, num mundo muito diferente, mas ainda cheio de desafios e oportunidades, um grupo de professores e alunos da Universidade Sénior de Santa Maria de Braga reuniu-se numa tarde de outono. À medida que conversavam sobre as suas origens e histórias familiares, relembraram as antigas lendas dos brácaros e do Jogo do Javali. Inspirados pelas histórias dos seus antepassados, decidiram criar um clube que honrasse essa tradição e os valores de força e sabedoria que Breogán lhes ensinara. Nasciam assim “Os Brácaros – WFC” (Walking Football Clube).
O clube escolheu como lema “Forto kaj Saĝo” — “Força e Sabedoria”, em Esperanto, a língua que simboliza união e fraternidade entre todos os povos.
O Walking Football, uma forma adaptada de futebol, onde a corrida é substituída por passos firmes e controlados, parecia ser a reencarnação perfeita do Jogo do Javali.
Assim como os brácaros respeitavam o equilíbrio entre força e estratégia, os jogadores de Walking Football encontravam nesse ritmo mais lento uma nova forma de conexão, onde cada passe, cada jogada, era feito com cuidado e inteligência.
Hoje, quando “Os Brácaros – WFC” entram em campo, não é apenas um jogo que começa. É um ritual, uma homenagem aos guerreiros ancestrais que corriam pelos campos verdejantes de Braga. Os jogadores sentem nas veias o espírito de Breogán, a força do javali e a sabedoria dos anciãos. E quando a bola de couro toca a relva, ecoa a antiga canção dos brácaros, uma melodia que fala de amizade, honra e o desejo eterno de nos elevarmos juntos, como uma tribo unida.